O mapa de Gleason

Alexander Gleason patenteou nos EUA, em 1893, uma régua de cálculos denominada “Time Chart”

A patente descreve o invento como sendo composto por duas réguas móveis fixadas ao centro do mapa circular por um eliós, cuja função é permitir a determinação dos fusos horários de acordo com a posição das hastes e as marcações em algarismos romanos impressas ao redor.

Também está descrito em detalhes a operação dos componentes desta espécie de calculadora de fuso horários, com exemplos práticos.

Réguas presas por eliós no centro do mapa.
Escala temporal em algarismos romanos ao redor do mapa
Elevação em corte central vertical mostrando uma porção central do mecanismo de réguas móveis fixadas com eliós ao centro do mapa.

O termo “No Model” (sem modelo)

No extremidade superior esquerda da primeira página da patente há um texto dizendo “No Model”. que se refere ao sistema de modelo de patente que existia na época.

Um modelo de patente era um modelo em miniatura (protótipo) feito à mão, não maior que 12 “por 12” por 12 “(aproximadamente 30 cm por 30 cm por 30 cm) que mostrava como a invenção funcionava.

Nos EUA, foram exigidos modelos de patentes de 1790 a 1880. O Congresso dos Estados Unidos aboliu a exigência legal em 1870, mas o Escritório de Patentes dos EUA (USPTO) manteve a exigência até 1880.

Na época em que a patente de Gleason foi reivindicada já não existia a obrigatoriedade do modelo de patente, o que resultou na descrição “No model” (sem modelo) uma vez que Gleason não apresentou o protótipo do seu invento juntamente com a requisição de patente.

Mesmo sem a exigência, alguns inventores incluíram modelos em suas requisições de patente, como é o caso da patente US497269A de Thomas M. Eynon, cuja documentação há a inscrição “model”, uma vez que havia um modelo de patente acompanhado a requisição.

https://patents.google.com/patent/US497269

Descrição de Alexander Gleason sobre sua invenção

Reivindico como invenção: a combinação com um gráfico de tempo de um mostrador de tempo circular que engloba o mapa circular, um disco ou mostrador graduado e dividido para indicar longitude e hora do sol em qualquer linha meridiana ou linha intermediária, dois braços indicadores vagamente girados para o centro do mapa circular, numerais indicando graus de longitude em cada um dos referidos braços e articulação articulada para manter os referidos braços juntos, de modo que o atrito entre eles seja suficiente para segurá-los um ao outro em qualquer ponto em que um possa ser movido o outro e permite que ambos sejam movidos juntos girando um, substancialmente conforme e para os fins descritos.
https://patentimages.storage.googleapis.com/78/e3/25/543575d285be1a/US497917.pdf

Notamos nesta reivindicação que Gleason não cita o mapa em si, mas sim o mecanismo que ele inventou, portanto, Gleason não obteve e não reivindicou a patente de uma técnica de projeção cartográfica, que na época era amplamente conhecida e utilizada como projeção azimutal polar equidistante.


Origens da projeção circular

A primeira descrição de uma projeção azimutal equidistante ocorreu no século XI, feita por Al-Biruni, o matemático árabe que calculou a circunferência da Terra.

Peter Apian, matemático alemão, astrônomo e geógrafo, compilou o mapa do mundo circular que foi incluído no seu livro “Cosmographicus Liber“, publicado pela primeira vez em 1524. Usando uma projeção estereográfica centrada no Pólo Norte, este mapa circular mostra apenas os contornos dos continentes conhecidos, Europa, Ásia, África e América.

https://collections.leventhalmap.org/search/commonwealth:q524n599s

Distorções na projeção azimutal

Qualquer objeto esférico tridimensional, quando projetado bidimensionalmente sofre distorções ou limitações dimensionais.

E não por acaso, Gleason descreve isso em sua patente:

A extorsão do mapa em relação a um globo consiste, principalmente, na aproximação das linhas de meridiano, permitindo que cada um mantenha o seu valor original de Greenwich, do equador para os dois polos.

A publicação do aparato de Gleason

Alexander Gleason consta no “Annual Report of the Commissioner of Patents” como “assigner” (cedente) da sua patente do “Time Chart” para a empresa “The Buffalo Electrotype & Engraving Company

No documento US386399A também consta o termo “assignor” (cedente).

A definição legal para cedente é uma pessoa, empresa ou entidade que transfere os direitos que possui para outra entidade.

Consta também no documento US386399A a data do pedido de patente

ESPECIFICAÇÃO que faz parte da Carta de Patente No. 497.917, de 23 de maio de 1893.
Pedido apresentado em 15 de agosto de 1892. Número de série 443.074. (Nenhum modelo.)

A empresa manufaturou e publicou o aparato como “Patent Allowed” em diversos países, cuja ilustração ficou a cargo de J.S. Christopher. Restam dois exemplares físicos conhecidos desta publicação, um deles se encontra no acervo da Boston Public Library Norman B. Leventhal Map Center Collection, e reproduzido digitalmente na sua coleção digital de mapas da Boston Public Library.

O outro exemplar se encontra na Yale University Library – Beinecke Rare Book and Manuscript Library.

O exemplar da Boston Public Library está danificado, com rasuras e somente com metade de uma das duas réguas.

Detalhe da régua danificada.

Já o exemplar da Yale University Library encontra-se em excelente estado, com as duas réguas e sem rasuras.

Detalhe das duas réguas do aparato de Gleason

Comparando os dois aparatos de Gleason fabricados pela “The Buffalo Electrotype & Engraving Company” com o desenho da patente, verificamos que estão exatamente como descrito no documento US386399A.

Na versão publicada há o acréscimo de alguns dados que originalmente não constam no documento da patente, são eles:

  1. O título Gleason’s New Standard Map of the World
  2. O texto “On the projection of J. S. Christopher, Modern College, Blackheath, England ; scientifically and practically correct ; as “it is.”
  3. O mapa de incidência solar dos Solstícios com um texto descrevendo cada mapa.

Quem foi J.S. Christopher?

Praticamente nada de sabe sobre J.S. Christopher, além da ilustração do mapa de Gleason, há uma publicação de um autor de mesmo nome, que no entanto não há comprovação de que se trata da mesma pessoa.


Erros e problemas encontrados

Os principais problemas se encontram nas informações acrescidas à ilustração publicada e que não constam na patente.

Solstício de Dezembro

O mapa de incidência solar do Solstício de dezembro está invertido, a noite deveria se encontrar na porção branca do mapa, e a posição subsolar na porção amarela, como veremos a seguir.

O correto mapa de incidência solar gerado no site “Time and date” e corroborado pelo simulador do site Walter Bislin revela este erro.

Ao ser projetado, o mapa do Time and Date resulta desta forma:

Solstício de dezembro

Tal falha faz com que o texto descritivo dos solstícios de dezembro defina erroneamente a área de incidência solar, afirmando o contrário do que realmente ocorre nesta época do ano.

SOLSTÍCIO DE DEZEMBRO.
Em 21 de dezembro, o Sol se move ao redor do Trópico de Capricórnio, e durante o dia ilumina a porção sul da Terra desde o Círculo Polar Ártico até alguma porção de gelo marinho antártico. Não há “luz solar” além de 80° Sul, mas regiões de gelo desconhecidas. No dia 23 de Dezembro, o Sol começa novamente a sua viagem para norte, regressando ao seu ponto de partida, e assim completa as suas estações.
SOLSTÍCIO DE JUNHO.
Nas figuras junho e dezembro, o branco representa a posição do Sol em seus respectivos meses, ao meio-dia. Isso mostra a luz do sol dentro do Círculo Polar Ártico por 24 horas. A partir de 21 de junho, o Sol circula pelos Trópicos em um círculo espiral, ampliando-se todos os dias, até atingir seu destino no Solstício Sul ou Exterior, em 21 de dezembro.
A figura que representa o Solstício de Junho está relativamente correta sem relação ao posicionamento do Sol e da área de incidência solar.
Os dois mapas lado a lado para efeito de comparação, onde a descrição define que o branco representa a posição do Sol, sendo que no Solstício de Dezembro a incidência solar ocorre na região em amarelo.

Modern College, Blackheath, England

Não há registros da existência do Modern College, existe um Morden College em Blackheath, Inglaterra. que é uma instituição de caridade dedicada a apoiar pessoas idosas: https://www.mordencollege.org.uk/


Evidências que conectam a patente de Gleason ao mapa publicado e ilustrado por J. S. Chistopher

1 – No documento da patente US497917A Alexander Gleason é cedente (assignor) da empresa “The Buffalo Electrotype & Engraving Company” .

No “mapa” publicado, que na verdade é um aparato para calcular fusos horários, consta o nome da mesma empresa que Gleason é cedente da patente.

Gleason foi cedente da patente para a mesma empresa que publicou o aparato.

2 – Há na descrição do acervo de duas entidades a patente US497917A como origem do aparato de Gleason.

https://www.digitalcommonwealth.org/search/commonwealth:7h149v85z
https://collections.leventhalmap.org/search/commonwealth:7h149v85z

Referências:

https://patentimages.storage.googleapis.com/78/e3/25/543575d285be1a/US497917.pdf

https://en.wikipedia.org/wiki/Azimuthal_equidistant_projection

http://walter.bislins.ch/bloge/index.asp?page=Distances+on+Globe+and+Flat+Earth

https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv64669_cap2.pdf