Há muito tempo, os babilônicos mantinham cuidadosamente registros da ocorrência de eclipses e os utilizavam para prevê-los. Como forma de homenagear esse conhecimento, em 1691 Edmund Halley nomeou o intervalo de um ciclo de eclipses utilizando uma unidade de tempo babilônica: o Saros.
Há uma explanação da NASA sobre Saros em uma página chamada Eclipses and the Saros. Os terraplanistas, desonestos como sempre, rapidamente visualizaram uma teoria de conspiração aí. Inventaram a história de que a NASA, uma agência espacial com bilhões de dólares de orçamento, estaria de alguma forma utilizando tecnologia antiga para prever as ocorrências dos eclipses, alegando que seria impossível calculá-lo de outra maneira e que, então, eclipses pelo menos não provariam que a Terra é um globo.
Como sempre, eles estão enganados. A NASA não usa os ciclos de Saros para prever os eclipses.
Um Saros compreende o período de 6.585 dias e 8 horas entre duas ocorrências de um eclipse. Esses dois eclipses e os que acontecem entre eles têm características similares. Atualmente, o Ciclo de Saros é utilizado somente para agrupar eclipses. Os eclipses do mesmo ciclo são agrupados na mesma Série de Saros, que nada mais é do que um número para identificação, muito parecido com o número que identifica um ano.
Previsões de eclipses não são feitas utilizando o Ciclo de Saros. Ele não é capaz de prever o tempo e duração de um eclipse com a precisão de segundos e é totalmente incapaz de (e nunca foi utilizado para) determinar o caminho da totalidade de um eclipse.
Neste momento temos várias Séries de Saros ativas. Durante uma Série de Saros, eclipses sem correlação, de diferentes Séries de Saros ocorrerão muitas vezes. O comportamento de um eclipse não pode ser previsto à partir de outro que não pertença à sua mesma Série de Saros.
Eventualmente uma Série de Saros terminará e não haverá outro eclipse da mesma série. Por outro lado, o eclipse que marca o início de uma Série de Saros não pode ser previsto utilizando o Ciclo de Saros.
Várias características dos eclipses não podem ser determinadas pelo Ciclo de Saros. Ele não pode prever todos os eclipses e com certeza não os prevê com precisão suficiente. Então, a idéia terraplanista de que eclipses somente podem ser previstos pelo Ciclo de Saros é errada.
Mas, então, como eles são previstos com tanta precisão e antecedência?
Atualmente, previsão de eclipses é feita utilizando computadores. Determinamos a posição do Sol e da Lua em um determinado momento e calculamos se um eclipse irá acontecer. O mesmo procedimento é executado repetidas vezes, cada uma em um momento diferente do tempo.
O cálculo de eclipses é feito utilizando-se efemérides. Isto é um modelo matemático que descreve o movimento de corpos celestiais. Utilizando as efemérides, podemos descobrir a posição do Sol e da Lua em um momento do tempo e determinar se teremos um eclipse.
No grande eclipse solar de 2017, visto nos EUA, a NASA usou seus supercomputadores para fazer essa predição. Com seu grande poder computacional, foram capazes de levar os dados de elevação da Terra e da Lua em consideração. Isso é impossível de se fazer utilizando somente Ciclos de Saros.
Terraplanistas alegam que a NASA é a autoridade máxima em eclipses e temos que aguardar que ela calcule meticulosamente os Ciclos de Saros para nós, mas isso não é verdade. Qualquer um com conhecimento suficiente pode facilmente prever eclipses com uma precisão muito boa. Porque terraplanistas ignoram a matemática por trás das previsões dos eclipses, não significa que o ser humano comum não possa prevê-los.
Para demonstração, eu criei um pequeno script em Python capaz de prever ocorrências de eclipses lunares no século XXI. Ele tem não mais de 20 linhas e qualquer um com um pouco de conhecimento em programação não terá nenhuma dificuldade em entendê-lo.
#!/usr/bin/env python # -*- coding: utf-8 -*- ''' lunar-eclipse-prediction.py Shows the occurences of a lunar eclipse in the 21st century. Works by iterating every hour in the 21st century and calculating if the separation between the Moon and the Sun is less than 0.9° from 180°. The number 0.9° is hardcoded for simplicity, for more accuracy, it should be computed from the distance of the Moon and the Sun. ''' import ephem from datetime import datetime, timedelta curtime = datetime(2001, 1, 1, 0, 0, 0) # start time endtime = datetime(2100, 12, 31, 23, 59, 59) # end time moon = ephem.Moon() sun = ephem.Sun() observer = ephem.Observer() observer.elevation = -6371000 # place observer in the center of the Earth observer.pressure = 0 # disable refraction while curtime <= endtime: observer.date = curtime.strftime('%Y/%m/%d %H:%M:%S') # computer the position of the sun and the moon with respect to the observer moon.compute(observer) sun.compute(observer) # calculate separation between the moon and the sun, convert # it from radians to degrees, substract it by 180° sep = abs((float(ephem.separation(moon, sun)) / 0.01745329252) - 180) # eclipse happens if Sun-Earth-Moon alignment is less than 0.9°. # this should detect all total and partial eclipses, but is # hit-and-miss for penumbral eclipses. # the number is hardcoded for simplicity. for accuracy it should # be computed from the distance to the Sun and the Moon. if sep < 0.9: print(curtime.strftime('%Y/%m/%d %H:%M:%S'), sep) # an eclipse cannot happen more than once in a day, # so we skip 24 hours when an eclipse is found curtime += timedelta(days = 1) else: # advance an hour if eclipse is not found curtime += timedelta(hours = 1)
Esse código está disponível publicamente em um repositório do Gitlab e pode ser executado utilizando-se Docker.
As instruções de uso estão no README.md do próprio repositório. Utilizei a biblioteca PyEphem, que também possui código aberto e é um wrapper para a libastro, uma biblioteca que usa majoritariamente as estruturas definidas por Jean Meeus em seu excelente livro Algoritmos Astronômicos. Fiquem à vontade para avaliá-los e verificar se o Ciclo de Saros é utilizado em qualquer parte do código (não é).
A saída do script está aqui: lunar-eclipse-prediction-output.txt. Compare-a com a listagem dos eclipses lunares do século XXI na Wikipedia, NASA, TimeAndDate.com ou qualquer outra fonte que desejarem.
Este script é um exemplo bastante simplista que prevê com bastante precisão os eclipses totais ou parciais mas não suas partes penumbrais. A razão para isso é que eu assumí que eclipses acontecem quando a Lua está a 0.9° do centro da umbra da Terra. Na verdade, as órbitas da Terra e da Lua não são perfeitamente circulares e a razão da separação deve ser na verdade calculada, mas o script nos serve para seus objetivos instrutivos.
Referências
Como computadores prevêem eclipses
Como os cientistas previram o caminho do eclipse solar de 2017 nos EUA
Sphaerica Est – Confirmando as previsões de eclipses
Sphaerica Est – Eclipse Solar e a Lua
Eclipses no mundo real e na mitológica Terra Plana
Sombra da Lua de Oeste para Leste
Cálculos de Eclipses, Ocultações e Trânsitos